segunda-feira, 7 de março de 2011

O FILHO QUE NÃO VEIO (Sobre o que ninguém quer falar)



Há algumas semanas uma amiga minha perdeu seu bebê e depois foi uma vizinha, depois uma conhecida. Assim o assunto voltou a habitar meus sentimentos. 
Há quase meio ano atrás eu também perdi um bebê. Foi uma gravidez não planejada, mas muito desejada, já que o segundo filho é um sonho que temos acalentado. 
Agora sinto-me bem e a vontade para tocar no assunto, porém, não foi sempre assim. Falar sobre o filho que não veio, era pra mim um misto de dor, vergonha, raiva e frustração. Mesmo assim, falei, já que sei, por A + B que dor calada é aquela que adoece. Infelizmente, nem sempre encontramos todo o apoio que desejamos. Muita gente não quer lidar com este tipo de assunto, e por enquanto, não estou nem falando de quem perdeu. 
A notícia de perder um bebê, realmente causa reações incríveis e mais diversas nas pessoas. Alguns simplesmente se afastam, outros entram em pânico, outros ainda desdenham e alguns acolhem e se solidarizam. Acredito que a realidade tão próxima da perda alheia, levanta a possibilidade tão temida de que possa acontecer também consigo. Para outros que já passaram por esta triste experiência, talvez traga o sentimento de reviver sua própria dor.  
Minha amiga que perdeu o seu bebê recentemente, queixou-se de que as pessoas estavam desprezando sua dor, com frases do tipo: "Você está exagerando, nem tinha barriga ainda, está dramatizando..." 
Eu também senti um pouco deste preconceito. Muita gente perguntava: "De quantos meses?" e depois dava de ombros - "Ah, estava no comecinho". Como se o sentimento materno dependesse do tamanho de uma barriga ou ser reconhecida como mãe, dependesse efetivamente daquilo que você tem a apresentar para a sociedade. Talvez esta pouca importância para os sentimentos da mulher em relação a um aborto espontâneo, seja um legado do tempo em que era relativamente comum perder um bebê ou até um filho já grandinho. Do tempo em que mulheres engravidavam por volta 20 vezes, para enfim criar uns 10 filhos até a idade adulta. Me pergunto se estas mulheres também não sofriam pelos seus 10 filhos perdidos...
Ouvi muito também o "logo você engravida de novo", mas em um tom que mais que tentar consolar, quase me censurava por ter parado para sofrer por este. E assim, é delicadamente negado a mulher o direito de viver seu luto pelo filho (sim, filho!) perdido. Os estudiosos do assunto dizem que não há diferenças significativas no processo de luto de mães que perdem seus filhos no ventre, recém-nascidos ou já crescidos, embora a recuperação do 1º caso seja mais rápida do que os outros. 
Um aborto espontâneo, apesar de muito bem explicado pela ciência, como um acidente que faz parte das inúmeras probabilidades da natureza, emocionalmente é um evento estúpido e frustrante. Fora o trauma físico, a mãe, mais uma vez, dentro desta mentalidade psicanalítica que herdamos acaba sendo a depositária de toda a culpa. A mulher que perde um bebê, cria para os outros e para si mesma, um estigma de fracasso, justamente naquilo que ela tem de mais único e especial na sua feminilidade: a capacidade de gerar um filho. 
Talvez por isso, muitas mulheres se calam, ao passar por uma dor como esta. Na época, descobri mesmo este dado curioso: só depois de revelar minha perda, fiquei surpresa com a quantidade de conhecidas e parentes que já tinham passado por um aborto espontâneo, mas preferiram esconder. 
Acho que hoje entendo também porque muitas mulheres deixam para anunciar sua gravidez somente passadas as 12 primeiras semanas de maior risco. Caso algo dê errado, lidar com a própria dor já não é fácil, pior é ter que se tornar depositária de todas as projeções suscitadas no outro. Ah, o outro... 
Mas bem, apesar de ser um evento traumático, há como ser superado. Felizmente tive muito apoio emocional de meu marido e de alguns bons amigos. Também tive o privilégio de não ter acontecido em minha primeira gravidez, e assim, mais uma vez, minha filha foi meu porto seguro. O amor é sempre curativo. 
Não vou dizer que já não existe o temor de que aconteça de novo, mas posso afirmar que estou mais forte, mais sensível, mais conectada comigo mesma.
Pra você que conhece uma mulher que está passando por isso, entregue seu ombro, seu abraço, sua paciência e diga-lhe que está tudo bem, se ela estiver com raiva do mundo.
E pra você, minha amiga, que perdeu recentemente seu bebê, só quero lhe dizer duas coisas, baseadas na minha experiência: Permita-se sofrer, mesmo que os outros (ah, os outros...) não compreendam seu momento. Viva seu luto e elabore-o no seu tempo, você sairá deste processo mais forte e mais madura pra recomeçar. E não se desacredite como geradora de vida por isso. Nós mulheres, com filho ou sem, fomos, somos e sempre seremos, muito mais fecundas do que podemos acreditar!



Abaixo, publico uma carta muito pessoal que escrevi como desabafo e contém muitos dos sentimentos que guardava na época. Ao final dela, porém, recebi um surpreendente resposta que incorporei ao texto. Obrigada a essa Vida Superior que nos move!



CARTA AO FILHO QUE NÃO VEIO

A hora não era a melhor, mesmo assim, recebi-te filho amado
Como recebo todas as bênçãos do Pai
enternecida e com o coração aos saltos
Envolvi-te de amor, cantigas e carícias sobre a barriga que era tua casa
Teci sonhos, planos e dei-te um nome ou dois
Tu me trouxeste luz e esperanças de renovação
Porém, quis o Senhor que essa jóia que eu guardava, fosse em breve devolvida
Angustiei-me e vi minha paz manchar-se de sangue
Tentei de todas as maneiras manter-te junto a mim
Lutei, pedi e esperei que tu ainda crescesses um pouco mais aqui dentro
Os dias se passaram sem que obtivesse respostas,
se te agarravas ainda a esta vida ou se já resolvia partir
Quando esperava ansiosamente ouvir teu coração pela primeira vez, ao invés disso descobri que já não estavas mais dentro de mim
Com o ventre vazio e a alma dilacerada, demorei-me ainda a dobrar roupinhas pra ti ou a pensar na decoração do teu quartinho
Até que lembravas a dura realidade, de que tu agora não virias
Bobagem! Me disseram. Outro logo virá
Bobagem! Me disseram. Nem conheceu-lhe o rosto.
Bobagem! Me disseram. Por que choras ainda?
Mas Deus que sabe, que uma mãe o é desde a primeira hora, permitiu-me ouvir de ti
                        "Mãe, ainda não estava preparado
                         Volto ao Criador para que me lapides, 
                         qual jóia bruta que ainda sou
                         E em breve mãe, retorno para os braços teus
                        Com os olhos brilhantes, para encher teus dias de luz 
                        e crescer junto a esta família 
                       que escolhi e que me escolheu. 
                       Teu filho."